Julio

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terça-feira, 5 de setembro de 2017

Autoestima
Domingo, 21 de maio de 2017
00:11
Autoestima é sempre de você para fora, de nós para os outros, ou outro, mas nunca diz respeito a nós mesmos. São questões relacionadas a expectativas construídas do que "vem de fora", relacionadas a como nos vemos e imaginamos que o outro vê ou deveria ver sobre nós!
O segredo da autoestima alta está justamente em não ter que ter alta estima. Não há compromisso com nada que não seja conosco e com o que definimos como essencial para nós e em nós. Isso significa desistir de fazer acontecer, e aceitar o que É. O quanto podemos, limita-se ao quanto nos é possível, mas, e principalmente, ao que queremos de fato tornar possível, para, e acerca de nós e de quem somos! Isso é simplesmente aceitar a própria limitação e as limitações que a vida e a existência impõem ao homem. Biológica, intelectual, social, intima e especificamente também! Aceitar que há o externo, o imponderável, o imprevisível, tanto na natureza física, quanto na natureza humana, entendendo que isso acontece devido a constantes e irremediáveis mutações e transformações que independem do nosso querer, dos nossos planos, ideias, medos, etc. que não são nada mais que a tentativa de garantir o prazer idealizado e fugir da possibilidade da ocorrência de "contrariedades". Exemplos: A aparência física, nível intelectual, condição social, relação ideal, realização profissional, etc. são padrões idealizados e que podem ser buscados de forma saudável, progressiva, constante e motivadora, desde que aceitas as condicionantes e limitantes citadas anteriormente. Não é possível encontrar autoestima, estabilidade, alegria duradoura, felicidade, numa vida onde a construção de ideais finais, definitivos, únicos e imutáveis sejam a razão desse existir. A razão de existir tem que ser o próprio existir, o fazer, as coisas como são, pura e simplesmente, diárias, sem atenção com passagem do tempo, prazos, envelhecimento, padrões, expectativas, etc. Uma vida em que expectativas são "o motivo", é automaticamente transportada para o futuro, ou presa em frustrações passadas e será então, uma vida onde cada ideal construído e não realizado, passa a ser um "peso", uma carga de negatividade e pessimismo, insegurança e desconforto perenes, arrastada todos os dias. Do mesmo modo, uma vida onde ideais se constroem para o futuro, mesmo que em "vidas futuras" (especialmente nesses casos), representa não uma motivação, senão uma fonte de ansiedade, “futurização”, contagem do tempo, espera, expectativa, cobrança, etc. Nesse sentido, a vida diária jamais será a vida ideal, jamais será satisfatória, jamais terá nossa atenção integral, jamais será integralmente prazerosa, sendo apenas e tão somente uma forma de "gastar" o tempo que falta, até que os ideais sejam alcançados. Lembram-se das mudanças acontecendo em tudo o tempo todo? Não haverá percepção dessa mudança, porque em verdade, quando nos atemos a pensar o passado ou o futuro, logicamente, não estando presentes, não haverá mudança alguma, simplesmente porque quem somos não existe ainda. Como desenvolver autoestima alta em quem nem existe anda? Se não nos aceitamos, se não nos consideramos prontos, como iremos gostar de nós?
 Imaginemos uma casa, sem pintura, sem decoração e acabamento. Por mais que a arquitetura seja interessante, confortável, moderna, funcional, o que sempre predominará aos olhos de quem a vê, será justamente o que lhe falta. Seus proprietários verão isso, antes e mais que qualquer outra pessoa no universo. No entanto, já é uma casa, com muito a oferecer. O olhar, não de negatividade, de incompletude ou pessimismo, mas, de rejeição em favor de uma imagem idealizada para fora, imagem que considera o olhar externo, considerando o ideal final, não apenas relega o que já está feito em algo de menor relevância, como impede o desfrute integral desse já existente. Note-se que essa "incompletude" pode ser vista até mesmo como motivação, se o olhar for de alegria e realização constante. Com a autoestima dar-se-á na mesma medida, o olhar de uma busca por perfeição, ou transformação com vistas ao devir. Não se trata de acomodar-se, de sentar-se no sofá da sala, aceitando o "destino" ou o dia do "juízo final"! É exatamente o contrário. Olhar não para o que não temos ou estamos buscando como única vida a ser vivida, é ir na contramão de qualquer sensação equilibradora, estabilizadora, ir ao encontro da ansiedade e frustração perenes. Não haverá o dia em que tudo estará perfeito? Isso não é verdade! Todos os dias são perfeitos! A vida sempre é e será perfeita! Algo em nós não atende esse padrão idealizado de perfeição. Algo em nós não aceita as "imperfeições" como motivadoras, como molas propulsoras, como o "tempero" da vida, o que a faz instigante e misteriosa, surpreendente sempre, em possibilidades e de fato! Queremos que tudo e todos, inclusive nós mesmos, jamais tenhamos qualquer problema de qualquer natureza, física, emocional, social, etc., e na busca por esse ideal, nosso olhar se volta apenas para o que nos falta, para o "quantum" de "imperfeição".
Ora, se apenas virmos o que nos falta, não veremos jamais o que já temos. Não há estima alta possível assim!
 Autoestima alta é desistir de autoestima baixa! Autoestima alta é desistir de alterar o exterior, desistir de ser para o outro, desistir de depender de aprovação, desistir de depender e criar metas que não conduzam à própria satisfação imediata ou mesmo futura, desde que construída na satisfação do agora. Entender a diferença entre orgulho, vaidade, prepotência e independência. Só quando se abre mão daquelas se alcança essa, e só quando se abre mão de idealizar, de remar contra a própria essência da vida, que não é nada senão existir, se consegue LIBERDADE!
E Liberdade é não precisar de autoestima, nem baixa nem alta! Não precisar de poder ainda que podendo exercê-lo, visto que poder sempre se exerce sobre o outro e tudo que está no outro já é dependência. Escraviza mais, a necessidade de escravizar!

                Julio Miranda



terça-feira, 29 de março de 2016

Aos meninos e meninas ! Direito obrigatório !


Meus filhos não concordam com a maioria das minhas convicções, e isso não me deixa feliz, não me deixa orgulhoso. Isso me deixa ALIVIADO! Não lhes ensinei a pensar como eu, aliás, não ensinei meus filhos a pensar. Até tentei, confesso envergonhado, mas o que eles viram de atitude, muitas delas, talvez até e possivelmente a maior parte delas, equivocadas, levou-os a entender que precisavam ou poderiam ao menos, decidir por algo que eles acreditam ser seu próprio direito às escolhas, ainda que equivocadas, até mesmo dos SEUS próprios pontos de vista.
O que temos visto ao longo dos tempos é que aquilo que julgamos bom, justo, saudável aos nossos olhos, é o que devemos ensinar aos nossos filhos. Sim, concordo,em parte, entretanto, não podemos perder de vista que aquilo julgamos bom, justo e saudável, é o que possivelmente nos foi ensinado como tal, e podem haver distorções tanto no método, quanto no conteúdo desses "ensinamentos". O que não podemos é incorrer no erro de querermos filhos "clonados", repetidores de ritos familiares ou sócio culturais comportamentais padrão. Qual o risco disso? Uma vez que eles não entendam o valor de pensar e escolher por si mesmos, a qualquer momento em suas vidas, um novo "algoz mental" poderá influenciar suas atitudes e escolhas de modo concretamente prejudicial e você então, terá perdido seu posto de "impositor cérebro -comporta - mental" para sabe-se lá o que ou quem.
A existencia do EGO diferencia os vivos no planeta Terra. Os humanos são a única espécie, até o momento, comprovadamente possuidora dessa característica especial. Aliada à inteligencia, o ego deveria pois, ajudar-nos e não apenas diferenciar. No entanto há um seu viés que pressupõe uma insaciável necessidade de ser "alimentado" permanentemente por outro (s) indivíduos (s) da mesma e até de espécies distintas da sua própria (vide a aquisição de "pets", por exemplo! Mas isso é outro assunto).
Isso faz do humano, um dependente dessa sua característica, e em muitos casos, senão em sua infinita maioria, a própria sobrevivência dos indivíduos é dela dependente. Não estou falando de sobrevivência física, uma vez que essa também é característica de outras espécies no planeta, mas, e sobretudo, estou falando do fato de que não se supõe uma sobrevivência "independente". Aí reside a grande diferença entre uma coisa e outra coisa. Dependência psíquico-emocional cria distorções e expõe o individuo naquilo que ele tem de mais intimo e particular, que é justamente sua capacidade de "individualizar-se", e consequentemente não "depender" além do "estar vivo". A busca por aprovação, aceitação, por "fazer parte" de "grupos" físicos ou conceituais, e em consequencia a isso, tornar-se destacado ou único, é justamente o oposto do que já se traz na origem.
Você já é original, já é indivíduo, único, não precisa de ritos, repetições, padronização comprtamental- grupal para destacar-se. Ao contrário, repetições apenas anulam, aniquilam, deformam na melhor das hipóteses, sua individualidade.
Preocupo-me ao perceber, especialmente entre os mais jovens, na tão atribulada e maravilhosa " idade das descobertas", tendencias a comportamentos oriundos de "modismos" o que, se ativarmos minimamente nossa memória recente ( no meu caso não tão recente assim) é óbvio aceitarmos como normal as muitas "barcas" em que alguns de nós pulavam dentro, sem nem perguntar se haviam salva -vidas a bordo. Ok! No entanto, deixa-me sobremaneira apreensivo o fato de que algumas dessas barcas jamais voltarão a "portos seguros", e as consequências de alguns desses "naufrágios " acompanharão os incautos navegantes por toda a vida. Dirão alguns: São escolhas! Seriam de fato escolhas? Depende do ponto de vista ou nem isso. Noto por exemplo, uma retomada do hábito de fumar. Podem fumar à vontade, mas a pergunta é, encher seu corpo de substancias danosas, comprovadamente danosas e viciantes, seria de fato uma escolha conscientemente adotada? Eu não conheço ninguém que tenha " escolhido" fumar, o que quer seja fumado, que não tenha ido por esse caminho tendo sido levado por outrem, por um desejo de imitar, repetir, auto afirmar-se ou o que for. Sempre por outra mão.
Do alto do meu contraditório desejo de julgar e impor, acho que ninguém deveria adotar nenhum comportamento ou atitude apenas com a finalidade de ser "aceito". Isso não é respeito e admiração pelo(s) outro(s). Isso é desprezo, negligencia e abdicação da sua individualidade!
Não falo aqui de direito à escolha. Imposição sócio-cultural não é direito! Nenhuma imposição é direito! Voto obrigatório não é direito! "Acreditar " em deuses não tem sido direito! Nos dois últimos casos a maioria escolhe como vai cumprir seu "direito" a escolher, mas a imposição pré existe.
Há que se notar em nosso recente universo de redes sociais-comportamentais-impositivas, uma "admiração" coletiva, a respeito de quem foi sempre tratado como "minoria", " inferior", subjugado ,discriminado, etc. Julgar alguém inferior por características étnicas ou opção sexual é tão absurdo e inaceitável quanto o contrário. No entanto, quando se evidencia direitos ao ponto de transformá-los em "virtudes ", em algo admirável, sem que se especifique, sem que se deixe claro aos incautos que admirável é justamente o fato de indivíduos não abrirem mão do seu direito a serem originais, (ainda que alguns casos nem seja um "direito" e sim um aspecto que nem mesmo eles teriam "podido escolher" (etnia por exemplo), mas, e também por isso passa a ser acima de tudo um direito natural à igualdade) abre-se um precedente, que leva ao risco de uma grave distorção, uma perigosa distorção sobre o que é POSITIVO e o que é IMPOSITIVO. Ninguém deixa de ser bom, admirável, correto, exemplar ou absolutamente original por NÃO SER gay, glvbt, negro, afro, cristão, islamista, oposicionista, futebolista e o que mais seja possível incluir de "lista" nessa lista. Ninguém precisa assumir nenhum "comportamento da moda" pra ser aceito como "acima da média" ou "virar destaque" . Ninguém precisa adquirir vícios físicos ou atitudes, escolhas intimas, opção sexual ou mudar seu comportamento apenas para ser aceito. Não é porque assume uma atitude, escolha, ou direito que alguém deva ser imitado, sequer admirado, tampouco, recusado, condenado, rejeitado, diferenciado, enfim.
Note-se que o que tornaria alguém admirável seria, é, justamente assumir sua individualidade. Buscar e assumir seu direito a essa individualidade.
Ainda penso que tudo isso é tão óbvio e natural que nem deveria ser admirável .
Esse talvez devesse ser o único "direito obrigatório" !
Julio Miranda

Cartas de amor em tempos de e mail!

"Cartas" de amor em tempos de e-mail, e o tema é sempre o mesmo. Encontros, desencontros, começos, despedidas, desejos e renúncias. O tempo muda a forma e não muda o conteúdo. O amor romântico não "evolui" ! Sempre há, houve e haverá alguém de um dos lados dessa história!
"... Hoje fui chamado a trabalhar outra vez. Não sei ainda se ficarei ou por quanto tempo mais, ainda assim, isso deveria ter me deixado feliz e, paradoxalmente, o que senti foi uma tristeza muito grande, por ter me dado conta outra vez, mais um dia, do quanto me impregnei de você, do quanto a importância das coisas, dos acontecimentos, dependia de você, contar pra você, ou do habito de sentir falta ao sair e poder, do estacionamento, "dar um toque" ao telefone, e esperar ansioso o retorno da chamada ou a resposta por mensagem de texto. Como me senti sozinho e vazio naquele estacionamento hoje! Não havia o porquê, não havia mais você, e incrivelmente eu te percebo em tudo, a mesma falta de que tanto me queixava, agora sem esperança, sem contar os dias, sem um futuro. Essa falta ainda existe e não sei por quanto tempo existirá. Talvez aconteça pra mim como foi pra você. Um fim de semana e já não queria mais...talvez. Tomara que seja logo. Enfim, por que contei essa história, eu que já havia percebido que não vai mudar nada, e por isso mesmo, havia decidido a não contar nada mais? Porque lembrei-me das tantas vezes que disse uma coisa, quando, em verdade queria justamente dizer o contrário. É só isso. Eu continuo sem querer saber da sua felicidade e tampouco quero a sua solidariedade. Isso também é verdade e por isso também estou dizendo. Esse texto não é um pedido, não é uma tentativa de restabelecer contato, nada disso...acho que é o resgate de uma dívida. Tenho a impressão que nunca foi registrado por você, de verdade mesmo, nunca acreditou, tão empenhada estava em reconhecer e identificar as próprias carências, que toda saudade e falta que eu gritava pra você, das mais variadas e talvez equivocadas maneiras, eram a mais pura verdade. É só isso. Eu não descobri agora o tamanho do meu sentir. Já o conhecia. Ele só não estava acompanhado dessa desesperança!
Engraçado como acho idiotice enviar um texto piegas e repetitivo desses e ainda assim o faço. Acho que sou isso, piegas e repetitivo..."

quarta-feira, 18 de abril de 2012

"Sobre todas as coisas"

Quando eu era ainda um garotinho (faz um tempinho já ) sofri horrores vítima de uma terrível culpa e o medo das consequências ... ensinaram-me que ,se não quisesse arder no fogo do inferno,com o terrível demônio e toda sua "gang" a espetar-me com seus tridentes, deveria "amar a Deus sobre todas as coisas"! Uma criança...e o que era amar pra mim? Talvez aquilo que eu sentia por meus pais,irmãos,amigos,tios,talvez isso fosse o tal amor e eu não sentia NADA disso por deus algum. Nem o conhecia , nunca houvera sido apresentado a ele, apenas vira gravuras de seu "filho" torturado ,crucificado , etc.e pensei:"vai ver que esse aí não o amou acima de todas as coisas". E eu, apesar de terrificado, não conseguia, não sabia como amá-lo, muito menos acima de tudo. Isso era terrível e assustadoramente inadmissível! Então eu tive que mentir. Menti pra todo mundo, (mais ou menos como a história do menino em "a roupa nova do rei") inclusive e principalmente pra mim mesmo. Segui mentindo até porque percebi (era o que me diziam) que se eu "acreditasse", teria inúmeras vantagens aqui e "na hora da nossa morte, amém". Proteção, favorecimentos e a tão sonhada entrada no céu...
Hoje eu não tenho mais medo de não amar a ninguém, não sou mais obrigado a amar nada que eu não queira, nem conheça, nem escolha e menos ainda, escolheram pra mim. Não me sinto ameaçado por nenhum amor não correspondido e não negocio sentimentos por interesses, portanto não tenho nada pra agradecer. Quem quiser me amar saiba que isto será uma doação. Não darei NADA em troca. Se eu der alguma coisa , será porque quis fazê-lo.Quando se chega a esse ponto , não é "necessário" acreditar em nada divino...falando nisso, ainda não sei o que é o tal "AMAR necessariamente".

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Conheço um lugar...

... onde as pessoas, com a mesma naturalidade com que fazem xixi nas ruas, (como animais desacompanhados) jogam nessas mesmas ruas, todo tipo de lixo, tão asqueroso e repugnante lixo, quanto o que sai das caixas acústicas super-poderosas, instaladas nos fundos dos seus automóveis "Gol" ; um lugar onde as pessoas falam alto, quase gritando e não apenas ao celular, ou dentro dos ônibus e lugares públicos, até mesmo dentro dos elevadores; um lugar onde os ciclistas estão sempre na contra-mão (pensando em ver a cara da morte, talvez! ); onde, no transito, a faixa mais fluente é a da direita, desconhecendo o fato de que isso constitui uma infração de transito; onde é comum buzinar à porta dos prédios para chamar alguém, desconhecendo o fato de que isso também, se constitui como infração de transito; onde se cobra de quem estaciona na rua, como se fosse área privada; onde todo mundo cresce falano, iscreveno, dizeno,e achano tudo isso bunitiho ( sem o "n"); onde quem "rouba mas faz", vira ídolo e, pasmem, justamente por isso; onde cães com pedigree, saem com seus donos vira-latas, e deixam seus excrementos espalhados sob os pés coniventes de incautos pedestres; onde calçadas são pra estacionar,  já que os pedestres andam pelo meio das ruas, sentindo-se perigosamente acariciadas pelos retrovisores dos carros em movimento bem ao lado, ainda que as calçadas não tenham carros estacionados sobre elas, ou restos caninos sobre os quais pisar; (a continuar...) .
O pior mesmo é perceber que as pessoas desse lugar, "se acham", se veem como "o máximo" por tudo isso, e ainda exibem e alardeiam orgulho de pertencer a um lugar assim. O lugar é mesmo muito lindo! Pena que hajam nele, pessoas. Essas!

                                                      Julio Miranda

Sapatos novos.

         De onde será que vem o prazer de possuir coisas? Será que é irmão gêmeo da vaidade? Do desejo de ser invejado? Imagino, no tempo das cavernas, a "socialite-troglodita" exibindo pra sua vizinha de caverna, a “pele de Tigre-Dente de Sabre”novinha, sangrando ainda, ou a planta rupestre da sua nova caverna duplex com vista pro pântano. Já nesse tempo se ficava roxo de inveja? Não sei se daí, mas o fato é que ganhar, comprar, conquistar, enfim, ter, não importa por que meios, algo "novinho em folha" e sabê-lo só seu, está, sem dúvida, entre os maiores prazeres das culturas ocidentais no planetinha azul. 
          Lembro-me da inconfundível sensação de ganhar um sapato novo (ainda que fosse aquele modelo que comporia o uniforme escolar). O cheiro! hummm! Sapato novo tinha um cheirinho! Até as sandálias da famosa marca que "não tem cheiro, nem soltam as tiras" tinham cheiro. Era o céu! Seria.  Paradoxalmente começava ali a via crucis que era possuir algo novo. Primeiro dos dilemas: Pô-lo no chão. Como algo tão novinho, com aquela sola brilhante, com desenhinho e tudo, iria parar naquele chão sujo e áspero? Inevitável? É mesmo? Então tá. E com que roupa? Pois é, sapato novo tinha que ser usado com roupa nova! Não dava pra imaginá-lo acompanhado daquela já surrada calça do ano anterior ou do conjunto usado na última festinha do colégio. A única coisa velha permitida ao seu lado seria aquela "nesga" de "jeansbotado" na calça Lee, mas a calça tinha que ser nova! Não era eu quem chegava, era o sapato. Sem ele eu não existiria! E logo alguém ou alguma coisa começava a ameaçá-lo. Uma pedra no caminho nunca seria apenas uma pedra no caminho. Imaginar um chute numa pedra com aquela preciosidade? Melhor que acontecesse descalço. Dedos cicatrizam em dias. E aqueles amigos que insistiam em chegar perto demais para um simples cumprimento ou abraço? Pra que esse carinho todo? Vão acabar pisando no meu sapato. E ainda havia o risco de quererem fazer com o sapato o que faziam quando os cabelos eram cortados. Seria inimizade para trinta dias ou até que o sapato não fosse mais tão novo. Quando algum esbarrão, mesmo que o mais superficial e inócuo acontecia, ficava no local a sensação de que houvera ali uma amputação e a "dor" permaneceria até que houvesse uma ainda que mal disfarçada passada de mão, ou mesmo um esfregadinha do pé atingido na perna oposta da calça, na tentativa de amenizar tão inaceitável mácula.
    Não sei se ainda é assim (faz tanto tempo que não compro sapatos novos!), mas os sapatos (os tênis e até as sandálias) novos, faziam...Calos! Daqueles que formam bolhas! Hiper doloridos! E ainda assim eram tão amados que por um bom tempo eu guardava-lhes as caixas. Não faço a menor ideia do porquê, afinal, eles não voltariam pra dentro delas. Talvez fosse isso uma espécie de atestado, garantia, uma forma de manter-lhe assegurada a certeza de ser ele ainda novo. Falando nisso, atormentava-me à época e ainda o faz, uma dúvida: Até quando alguma coisa é nova? Qual o prazo de validade do "selo de novidade" para os objetos (e até para as pessoas) em nossas vidas? Seu carro zero, será zero ainda depois de ter rodado seus primeiros quilômetros? A namorada (o) será a (o) "nova (o)" até quando? E o emprego? E a vizinha? O que define algo como ainda novo, após ter sido ele usado pela primeira vez? Será o cheirinho? Carro novo, por exemplo, tem cheiro de novo. Irrecuperável, diga-se de passagem. Acho que nem as fábricas sabem que cheiro é aquele. Se soubessem não o revelariam. Perderia a graça um carro qualquer com aquele cheiro. Acabou o cheirinho, deixa de ser novo. Como os sapatos, quando lhes jogávamos fora, as caixas.
      Às vezes me parece mesmo que prazer e dor andam de mãos dadas. Sempre há um paralelo em tudo que se vive de um modo ou de outro. Como o primeiro pisão no sapato novo, o primeiro arranhão no carro novo, a primeira briga com o amor novo, etc. etc. até chegar-se ao antagonismo entre a vida e seus prazeres e a inevitável partida definitiva e sem destino conhecido. Talvez fosse mais simples e menos doloroso que todas as coisas novas viessem a nós com um arranhãozinho "de fábrica", alguém que as "amaciasse" antes, que pelo menos nos evitasse os "calos".
      Pensando bem, melhor não. Não teríamos o prazer de a usar a pele de Tigre-Dente de Sabre ainda sangrando ou de ser dos poucos privilegiados a ter a caverna virada pro pântano. Não teríamos a inveja alheia a alimentar sua carente e faminta irmã gêmea: A vaidade!
      Talvez nem fossemos mais trogloditas!

                                             Julio Miranda

Voltar a andar numa motocicleta!

Os carros e as outras motocicletas pareciam persegui-lo como famintos e vorazes predadores!
Com seus rugidos, num crescendo contínuo, sobrepondo-se até mesmo ao ar, que desapercebido, desistia de oferecer-lhe resistência. Aliás, esse deslocamento aéreo, deveria ser uma das primeiras sensações agradáveis a serem reconhecidas após dez anos sem subir numa moto.
Eram outros tempos e a necessidade se impunha tão ditatorial e intensamente, que já não sobrara espaço para o prazer em nenhuma atividade na exacerbada rotina daqueles dias. A retaguarda ameaçadora e as urgências à frente não deixavam entrever a vida que desfilava sua invisível exuberância em cada detalhe escondido nas luzes, num “strip tease” para cegos, cujas mãos houvessem sido decepadas. Perguntava-se, sem ouvir ou pronunciar tal interrogativa, o que mudara tanto nesses dez anos que o afastaram da necessidade de usar aquele veículo como meio de transporte? Seria a cidade, ou as pessoas que a faziam mover-se como se suas ruas fossem tentáculos de um gigante, incapaz de segurar as várias presas que tentavam desvencilhar-se de sua indesejada obrigação de aprisioná-las?
            Lembrava-se, sem saudades, das diferenças que esses poucos anos produziam imperceptivelmente em si mesmo, e em todos que conhecera “naquele tempo”, e com os quais ainda mantinha contato. Percebia em todos, (e supunha fruto, muito mais do desinteresse pela auto preservação física, advindo da necessidade de seguir a ditadura do enriquecimento, e da almejada subida ao "pódium" da disputa social, ou ainda do conformismo produzido pelo abandono consensual, esse que ocorre inexplicavelmente, ao menos a seu ver, de todos os aspectos que seriam supostamente "mantenedores" da juventude do corpo e do "espírito", tais como a busca por definir o que se quer ter, e quem se quer ser na vida, do que pela própria ação do tempo), um comum e acelerado envelhecimento não apenas físico, mas, e sobretudo, de atitude, de sentir-se vivo, sentir-se apto, sentir-se ainda jovem , não vestindo-se, falando  ou comportando-se de modo caricato “como jovem”, mas, e sobretudo, “querendo”, como querem os jovens. Sentindo-se, desejando, desejando aprender e percebendo quanto se cresce quando se aprende, e quanto isso nos mantém pequenos que é a essência do crescimento em si.
             Por que voltar a andar numa motocicleta, e adotá-la como meio de transporte diário, parecia a todos tão louco ou suicida assim nos dias de hoje? Claro, haviam mudanças significativas no comportamento das cidades, nos seus números auto multiplicáveis, nos seus reduzidos espaços que nunca serão suficientes para o quanto se acha que se precisa crescer. Mudanças na falta de tolerância, respeito e educação, na sua pressa em direção ao próximo stress, etc. Esses fatos subvertem a razão de existir de um veículo como aquele, provavelmente criado não apenas para locomover ou transportar o homem e agora servia para dar-lhe mais mobilidade e aumentar sua pressa. Pressa essa, que anda de mãos dadas com o risco, embora pressa, velocidade e risco, não sejam a mesma coisa. Nem velocidade e liberdade, ainda que, às vezes, uma seja convidada da outra.
             Naquele dia, a sensação mais forte, no entanto, mesmo acompanhada de uma imensa insegurança de primeiros metros, foi de prazer intenso, como uma volta a uma juventude que só a aventura e "o bom risco" são capazes de proporcionar. Como se naquele desafio e justamente por sê-lo, estivesse a fonte da juventude, não importando nenhuma cronologia. Isso não é para ser contado, é para ser sentido, com todos os sentidos. Ouvir, ver e tocar todos os riscos que é estar vivo e fazer parte de um mundo que precisa redescobrir a juventude. Fazer as coisas por fazer. Ou, se por necessidade, associar a isso o máximo de prazer. Moto é isso, prazer e transporte, ou transporte e prazer ou mais ainda transporte AO prazer.
                             Julio Miranda